Um naco de felicidade é poder olhar para trás e encontrar esse vasto mundo que se chama infância.
Adivinhação da vida.
Bem sei que, com muita gente, acontece essa coisa estranha:
torna-se adulto sem ter sido criança.
Ou, o que é pior: ter sido criança sem ter tido infância.
A infância, para mim, não é apenas e simplesmente uma idade,
mas justamente aquele mundo de pequeninas
coisas que tornam inconfundível
na lembrança um tempo de alegria,
um tempo em que conhecemos a felicidade
sem ao menos nos apercebermos dela.
Infância mesmo a gente só pode ter depois de crescer.Porque antes a gente não sabe.
Uma pena que a gente só descubra a infância depois que ela passou.
Que ela seja como um sonho de que só temos consciência quando acordamos, já adultos.
Ah, se pudéssemos retornar o sonho,
tão próximo e tão distante, interrompido pela vida,
para revive-lo plenamente,
com a consciência, com os sentidos despertos.
Quero referir-me também aos que não conheceram seus pais,os que nasceram órfãos, os que nunca souberam
o que significa um lar, aos que não tiveram
a oportunidade de experimentar tantas e
infinitas alegrias colhidas com liberdade e amor.
Os que nunca souberam pronunciar a palavrainfância com todas as suas letras;
não tiveram companheiros de aventuras;
não sabem o sentido de coisas simples
e inesquecíveis como bolas de gude,
piões, papagaios, balões...
Os filmes seriados na TV em preto e branco,as brincadeiras de bandido e mocinho ,
(e olha nenhum dos meus amigos se tornaram
marginais porque um dia brincamos de bang-bang) ,
fazer cabana,
brincar de indio ,nadar na lagoa , brincar na chuva .
Deitar na grama e ver que formas as nuvens tomariam naquele instante,
e sempre tomavam formas maravilhosas
de acordo com nossos sonhos e
do tamanho de nossa imaginação ,
brincar até a noite e correr atrás de vagalumes,
onde a noite era sinônimo de beleza e natureza.
Me lembro da minha infância: trago-a intacta dentro de mim,
posso quase toca-la com as mãos.
Nela fui rei e moleque.
Ficaram em meu corpo suas marcas
e cicatrizes e me orgulho delas
como um combatente de suas medalhas,
cada uma tem sua história, encerra uma aventura.
Vivi todos os seus riscos, junto aos companheiros. Ainda ouço a voz de minha mãe me repreendendo,
quando voltava para casa:
- Já não disse que não quero você com aqueles moleques?
E quantas vezes ouvi também outras mães chamando
por seus filhos e repreendendo-os com as mesmas palavras.
Sou um homem feliz porque tive infância.E quantas vezes tenho fugido para ela,
tentando reabastecer o coração de esperanças e ilusões.
Sim; posso encontra-la viva, intensa,
apenas volto o rosto,
em cada curva da lembrança.