04 março, 2010

Primordios


Das tuas coisas perdidas,
Tudo que foi por voce e eu não estava,
A dor da tua vida que não doeu junto,
Tristeza do tempo passado
Entre eu e voce sem mãos dadas.

Das tuas coisas perdidas
Cores que não pintaram parte alguma,
Vento que posso não mais saber
De que jeito mexeu o teu cabelo,
Felicidade que não entendo que pudesse ser tua
Sem que tivesse sido também minha.

Das tuas coisas perdidas, resquícios, indícios, pegadas,
Entristeço por não ter estado desde sempre, sempre.
Desde antes, de não ter visto, vivido, compartido, entendido,
De não saber, que podia estar, que podia ser.

Quase esqueço que precisávamos perder tantas coisas,
Minhas e tuas, para encontrarmos as nossas.

Dá-me tua mão, e não larga, Aurora de Cores
Sob meus olhos castanhos,
Sobre minha pele o teu rastro ,
Sobre meu peito teu ninho e animal faminto.

Dá-me tua mão, encosta teu rosto,
Acaricia meus lábios com os teus,
Vão da gengiva, dos dentes, saliva e carícia.
Entre meus cabelos, emaranhado novelo,
afago, rédea, arreios, seguro-te sobre meu dorso,
jugo aflito e pleno.

Dá-me tua mão, ao redor do pescoço,
Na medida da cintura,
Um pouco acima dos joelhos,
Busca de um perfume perdido.

Dá-me tua mão, sossego e resgate,
De lança e laço,
De afago , de encanto.
Dá-me a tua mão de flor e canela,
De gosto e encontro,
Desespero e descanso.

Desde sempre,
Desde o início,
Dos primórdios,
Desde antes de qualquer outra coisa,
Amei tuas mãos.

Essas mãos de promessas insuspeitas,
Cada uma um hemisfério,
Um território, um continente,
Um oceano onde vivem
Peixes e moréias,
Anêmonas e corais.

Amei tuas mãos e sua cor de canela,
Seu toque de lã, seus gestos de força,
Sua vocação de ninho e afago,
Suas vontades secretas,
Se enchendo dos meus cabelos.

Amei tuas mãos sobre as minhas,
Laços dos meus dedos,
Grandes pássaros cheirando às viagens que fizeram.
Amei tuas mãos cheias de memórias
que voltam pra casa quando tocam meu rosto.



2 comentários:

Lê disse...

Ah querido meu!

As minhas (e as tuas) coisas perdidas não voltam mais...
Como deve ser...
Os ventos sopraram
mexeram em meus (e teus) cabelos
Tive momentos felizes
Mas com sinceridade
Não era feliz
Faltava alguma coisa
Voce pensa que não estava
sempre
Mas estava sim, desde sempre!
Voce pensa que deveria saber,
estar e podia ser...
Mas como? Se a hora ainda não era a certa?
Não esqueça porque precisavamos sim, não perder como disse
Mas em nosso processo de aprender
ganhar sempre mesmo que por alguns momentos isso parecesse com perdas irremediáveis
Dou-te minhas mãos
Não largarei
No aconchego de seus braços a me enlaçar
Sobre teu peito minha cabeça a deitar
Sinto o pulsar da vida nas batidas de seu coração
Dou-te minhas mãos
Encostarei meu rosto e acariciarei teus lábios com os meus
Minha mão a ajeitar o teu cabelo
a afagar este rosto que tanto me diz
Dou-te minhas mãos
Dou-te tambem os meus braços
abertos
O meu coração que pulsa e vibra
por voce!
Dou-te minhas mãos
Sempre a procurar-te
Onde for, como for...
Desde sempre
Desde o início
Dos primórdios:
Eu te amo!

Lê disse...

Canção da Plenitude (Lya Luft)
Não tenho mais os olhos de menina (
nem corpo adolescente, e a pele
translúcida há muito se manchou.
Há rugas onde havia sedas, sou uma estrutura agrandada pelos anos e o peso dos fardos bons ou ruins.
O que te posso dar é mais que tudo
o que perdi: dou-te os meus ganhos.
A maturidade que consegue rir
quando em outros tempos choraria,
busca te agradar
quando antigamente quereria
apenas ser amada.
Posso dar-te muito mais do que beleza
e juventude agora: esses dourados anos
me ensinaram a amar melhor, com mais paciência
e não menos ardor, a entender-te
se precisas, a aguardar-te quando vais,
a dar-te regaço de amante e colo de amiga,
e sobretudo força — que vem do aprendizado.
Isso posso te dar: um mar antigo e confiável
cujas marés — mesmo se fogem — retornam,
cujas correntes ocultas não levam destroços
mas o sonho interminável das sereias.

(extraído do livro "Secreta Mirada", Editora Mandarim - São Paulo, 1997, pág. 151.)