Cântico

"Vem" — diz-me num aceno e sorrindo
com doce olhar,
Estendendo-me mãos e braços, seguros.
Seria bom que eu ouvisse
Quando me diz: "vem por aqui!"
Eu com olhos lassos,
(Há, nos meus olhos, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...
A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
Vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre de minha mãe.

Não, não vou por aí!
Só vou por onde me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber ninguém responde.
Por que me repete: "vem por aqui!"?
Com a coragem do sorriso e o aceno da persistência!
Escorreguei em becos lamacentos,
Redemoinhei aos ventos,
Com farrapos, arrastando os pés sangrentos,
Ir por aí...?
Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois, será ir , como de novo seguir?
Me dara impulso, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas tuas veias, sangue velho ancestral,
E você ama-os o que é fácil!

Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...
Vá! Tens estradas,
Tens jardins e canteiros,
Tens pátria e teto,
Regras, tratados, filósofos e sábios...
Tenho apenas minha Loucura !
E como um facho, a arder na noite escura,
sinto cântico nos teus lábios ...
Deus é quem guia, mais ninguém!
Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se levantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Olho teu aceno uma vez mais
E sigo andante em tua direção
teu sorriso me gerou paz
esse caminho tem coração.