02 abril, 2009

"A CANÇÃO DOS HOMENS"

Lya Luft




Que quando chego do trabalho ela largue por um instante o
que estiver fazendo - filho, panela ou computador -
e venha me dar um beijo como os de antigamente.

Que quando nos sentarmos à mesa para jantar
ela não desfie a ladainha dosseus dissabores domésticos.
E se for uma profissional, que divida comigo o tempo de
comentarmos nosso dia.

Que se estou cansado demais para fazer amor,
ela não ironize nem diga que "até que durou muito" o meu
desejo ou potência.

Que quando quero fazer amor ela não se recuse demasiadas
vezes, nem fique impaciente ou rígida, mas cálida como foi
anos atrás.

Que não tire nosso bebê dos meus braços dizendo que
homem não tem jeito pra isso, ou que não sei segurar a
cabecinha dele, mas me ensine docemente se eu não souber.

Que ela nunca se interponha entre mim e as crianças, mas
sirva de ponte entre nós quando me distancio ou me distraio
demais.

Que ela não me humilhe porque estou ficando calvo ou
barrigudo, nem comente nossas intimidades com as amigas,
como tantas mulheres fazem.

Que quando conto uma piada para ela ou na frente de outros,
ela não faça um gesto de enfado dizendo "Essa você já
me contou umas mil vezes".

Que ela consiga perceber quando estou preocupado com
trabalho, e seja calmamente carinhosa, sem me pressionar
para relatar tudo, nem suspeitar de que já não gosto dela.

Que quando preciso ficar um pouco quieto ela não insista o
tempo todo para que eu fale ou a escute, como se silêncio fosse
falta de amor.

Que quando estou com pouco dinheiro ela não me acuse de
ter desperdiçado com bobagens em lugar de prover minha
família.

Que quando eu saio para o trabalho de manhã ela se
despeça com alegria, sabendo que mesmo de longe eu continuo
pensando nela.

Que quando estou trabalhando ela não telefone a toda hora
para cobrar alguma coisa que esqueci de fazer ou não tive
tempo.

Que não se insinue com minha secretária ou colega para
descobrir se tenho amante.

Que com ela eu também possa ter momentos de fraqueza e de
ternura, me desarmar, me desnudar de alma, sem medo
de ser criticado ou censurado:
que ela seja minha parceira, não minha dependente nem meu
juiz.

Que cuide um pouco de mim como minha mulher, mas não
como se eu fosse uma criança tola e ela a mãe, a mãe
onipotente, que não me transforme em filho.

Que mesmo com o tempo, os trabalhos, os sofrimentos e o
peso do cotidiano, ela não perca o jeito terno e divertido
que tanto me encantou quando a vi pela primeira vez.

Que eu não sinta que me tornei desinteressante ou banal para
ela, como se só os filhos e as vizinhas merecessem sua
atenção e alegria.

E que se erro, falho, esqueço, me distancio, me fecho demais,
ou a machuco consciente ou inconscientemente,
Ela saiba me chamar de volta com aquela ternura que só nela
eu descobri, e desejei que não se perdesse nunca, mas me
contagiasse e me tornasse mais feliz, menos solitário, e
muito mais HUMANO.


2 comentários:

Lê disse...

so da pra ser um homem possivel...

Estela disse...

Que Lindo, adorei!