09 janeiro, 2009

Cheio de vazio!


O nosso problema está no fato de a nossa vida ser vazia e de não conhecermos o amor; conhecemos sensações, conhecemos a publicidade, conhecemos exigências sexuais, mas não há amor.
E como se faz para transformar esse vazio?
Como encontrar essa chama sem fumaça?
Esta é por certo a pergunta, não é?
Então, vamos descobrir juntos a verdade desse assunto.

Por que a nossa vida é vazia?
Embora sejamos muito ativos, embora escrevamos livros e freqüentemos o cinema,
embora nos divirtamos, amemos e vamos ao escritório, nossa vida é vazia,
tediosa, mera rotina. Por que os nossos relacionamentos são tão superficiais,
estéreis e sem muito sentido? Conhecemos a nossa vida suficientemente bem para saber que a nossa existência tem muito pouco significado; citamos frases e idéias que aprendemos — o que fulano ou beltrano disseram, o que os mahatmas, os santos mais recentes ou os antigos santos disseram. Se não for um líder religioso, seguimos um líder político ou intelectual, seja Marx, Adler ou Cristo. Somos apenas fitas gravadas que repetem, e damos a esse repetição o nome de conhecimento. Aprendemos, repetimos, e a nossa vida continua extremamente superficial, entediante e repulsiva. Por quê? Por que é assim? Por que atribuímos tanta importância às coisas da mente? Por que a mente veio a se tornar tão importante na nossa vida — quando digo mente refiro-me às idéias, ao pensamento, à capacidade de racionalizar, de avaliar, de sopesar, de calcular? Por que damos uma ênfase tão extraordinária à mente? O que não significa que devamos nos tornar emotivos, sentimentais e melosos. Conhecemos esse vazio, esse extraordinário sentimento de frustração. Por que há na nossa vida essa vasta superficialidade, esse sentimento de negação? Não há dúvida de que só podemos compreendê-lo quando o abordamos por meio da consciência do relacionamento.


O que de fato está acontecendo nos nossos relacionamentos? Nossos relacionamentos não constituem um auto-isolamento? Não são todas as atividades da mente um processo de salvaguarda, de busca de segurança, de isolamento? Não é esse pensamento, que dizemos ser coletivo, um processo de isolamento? Não é toda ação da nossa vida um processo de auto-encerramento? Vocês podem vê-lo na sua vida diária. A família tornou-se um processo de auto-isolamento e, sendo isolada, deve existir em oposição. Assim, todas as nossas ações estão levando ao auto-isolamento, que cria essa sensação de vazio; e, sendo vazios, procuramos preencher o vazio com rádios, com barulho, com tagarelices, com fofocas, com a leitura, com a aquisição de conhecimento, com a respeitabilidade, o dinheiro, a posição social e por aí afora. Mas tudo isso é parte do processo de isolamento e, portanto, apenas reforça o isolamento. Assim, para a maioria de nós, a vida é um processo de isolamento, de negação, de resistência, de ajustamento a um padrão; e, naturalmente, nesse processo não há vida, havendo, por conseguinte, uma sensação de vacuidade, uma sensação de frustração. Claro que amar alguém é estar em comunhão com essa pessoa, não num determinado grau, mas completa, integral e profusamente; porém, nós não conhecemos esse amor. Só conhecemos o amor como sensação — os meus filhos, a minha mulher, a minha propriedade, o meu conhecimento, a minha realização; e isso é novamente um processo de isolamento. A nossa vida, em todas as direções, leva à exclusão; ela é um impulso de auto-isolamento da parte do pensamento e do sentimento; às vezes conseguimos nos comunicar com o outro. Eis por que existe esse enorme problema.

Ora, esse é o estado atual da nossa vida — respeitabilidade, posse e vazio — e a pergunta é como proceder para irmos além dele. Como ir além dessa solidão, desse vazio, dessa insuficiência, dessa pobreza interior? A meu ver, a maioria de nós não deseja fazê-lo. A maioria de nós fica satisfeita com a maneira como é; é muito cansativo descobrir uma coisa nova, e por isso preferimos permanecer como estamos — e aí reside a verdadeira dificuldade. Temos muitas coisas que nos dão segurança; construímos paredes ao redor de nós mesmos, com as quais estamos satisfeitos e, ocasionalmente, há um murmúrio vindo de além da parede; há de vez em quando um terremoto, uma revolução, uma perturbação que logo neutralizamos. Desse modo, a maioria de nós na realidade não quer ir além do processo de auto-isolamento; tudo o que procuramos é um sucedâneo, a mesma coisa numa outra forma. Nossa insatisfação é bem superficial; queremos uma coisa nova que nos satisfaça, uma nova segurança, uma nova maneira de nos proteger — o que é, mais uma vez, o processo de isolamento. O que estamos procurando, a bem dizer, não é ir além do isolamento, mas reforçá-lo de modo que ele venha a ser permanente e livre de interferências. São poucos os que desejam derrubar as barreiras e ver o que existe para além disso que chamamos de vacuidade, solidão. Aqueles que buscam um sucedâneo para o antigo ficarão satisfeitos ao descobrir algo que proporcione uma nova segurança, mas há evidentemente quem queira ir além disso; por isso, prossigamos com eles.



Ora, para ir além da solidão, do vazio, é preciso compreender todo o processo da mente. O que é isto que chamamos de solidão, de vazio? Como sabemos que é vazio, que é solidão? A partir de que critério vocês dizem que é isto e não aquilo? Quando vocês dizem que é solidão, que é vazio, qual é a referência? Vocês só podem sabê-lo a partir das medidas proporcionadas pelo antigo. Vocês dizem que algo é vazio, vocês o nomeiam, e julgam tê-lo compreendido. Não será o próprio ato de nomear um empecilho à sua compreensão? A maioria de nós sabe o que é a solidão, da qual estamos tentando escapar. A maioria de nós tem consciência dessa pobreza interior, dessa insuficiência interior. Não se trata de uma reação abortiva, mas de um fato; e ao lhe dar um nome não o podemos dissolver — ele está presente. Ora, como conhecemos seu conteúdo, como chegamos a saber qual é a sua natureza? Vocês conhecem alguma coisa por lhe dar um nome? Vocês me conhecem ao me chamar por um nome? Vocês só podem me conhecer quando me observam, quando têm comunhão comigo, mas chamar-me por um nome, dizer que sou isso ou aquilo, obviamente põe fim à comunhão comigo. De modo semelhante, para se conhecer a natureza daquilo que denominamos solidão, tem de haver comunhão com ela, e a comunhão não é possível se vocês a nomeiam. Para compreender alguma coisa, é preciso antes de tudo fazer cessar o ato de nomear. Se desejam de fato entender seu filho — o que eu duvido — o que vocês fazem? Vocês olham para ele, observam-no a brincar, contemplam-no, estudam-no. Em outras palavras, vocês amam aquilo que desejam compreender. Quando vocês amam alguma coisa, há naturalmente comunhão com essa coisa, mas o amor não é uma palavra, um nome, um pensamento. Vocês não podem amar aquilo a que dão o nome de solidão porque não têm plena consciência dela, porque a abordam com medo — não medo da solidão, mas de outra coisa. Vocês não pensaram sobre a solidão porque não sabem de fato o que ela é. Não riam; isto não é um argumento inteligente. Pensem bem no assunto enquanto falamos e verão todo o seu alcance.


Logo, aquilo que denominamos o vazio é um processo de isolamento que é o produto do relacionamento cotidiano, porque, no relacionamento, consciente ou inconscientemente, estamos procurando a exclusão. Vocês querem ser o proprietário exclusivo daquilo que lhes pertence, da mulher ou do marido, dos filhos; querem caracterizar a coisa ou pessoa como meu, o que evidentemente significa aquisição exclusiva. Esse processo de exclusão deve inevitavelmente levar a um sentimento de isolamento; e como nada pode viver em isolamento, há conflito, e estamos tentando escapar desse conflito. Todas as formas de fuga que podemos conceber — as atividades sociais, a bebida, a busca de Deus, a puja, a realização de cerimônias, a dança e outras diversões — estão no mesmo nível: e se vemos na vida diária esse processo total de fuga do conflito e queremos suplantá-lo, temos de compreender o relacionamento. Só quando a mente não está escapando de nenhuma maneira é possível estar em comunhão direta com aquilo a que damos o nome de solidão: o só; e para haver comunhão com isso, tem de haver afeição, tem de haver amor. Em outras palavras, vocês têm de amar a coisa para compreendê-la. O amor é a única revolução, e o amor não é uma teoria nem uma idéia; ele não segue nenhum livro nem padrão de comportamento social.

Logo, a solução do problema não vai ser encontrada nas teorias, que servem somente para aumentar o isolamento. Ela só será encontrada quando a mente, que é pensamento, não estiver empenhando em fugir da solidão. A fuga é um processo de isolamento, e a verdade é que só pode haver comunhão quando há amor. Só então é resolvido o problema da solidão.

KRISHNAMURTI
– SOBRE O AMOR E A SOLIDÃO -
CULTRIX



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